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Livro de Jó

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Livro de Jó

 Capítulo 1

1. Havia, na terra de Hus, um homem chamado Jó, íntegro, reto, que temia a Deus e fugia do mal.
2. Nasceram-lhe sete filhos e três filhas.
3. Possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois, quinhentas jumentas e uma grande quantidade de escravos. Este homem era o mais considerado entre todos os homens do Oriente.
4. Seus filhos tinham o costume de ir à casa uns dos outros, alternadamente, para se banquetearem e convidavam suas três irmãs para comerem e beberem com eles.
5. Quando acabava a série dos dias de banquetes, Jó mandava chamar seus filhos para purificá-los e, na manhã do dia seguinte, oferecia um holocausto por intenção de cada um deles: porque, dizia ele, talvez meus filhos tenham pecado e amaldiçoado Deus nos seus corações. Assim fazia Jó cada vez.
6. Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles.
7. O Senhor disse-lhe: De onde vens tu? Andei dando volta pelo mundo, disse Satanás, e passeando por ele.
8. O Senhor disse-lhe: Notaste o meu servo Jó? Não há ninguém igual a ele na terra: íntegro, reto, temente a Deus, afastado do mal.
9. Mas Satanás respondeu ao Senhor: É a troco de nada que Jó teme a Deus?
10. Não cercaste como de uma muralha a sua pessoa, a sua casa e todos os seus bens? Abençoas tudo quanto ele faz e seus rebanhos cobrem toda a região.
11. Mas estende a tua mão e toca em tudo o que ele possui; juro-te que te amaldiçoará na tua face.
12. Pois bem!, respondeu o Senhor. Tudo o que ele tem está em teu poder; mas não estendas a tua mão contra a sua pessoa. E Satanás saiu da presença do Senhor.
13. Ora, um dia em que os filhos e filhas de Jó estavam à mesa e bebiam vinho em casa do seu irmão mais velho,
14. um mensageiro veio dizer a Jó: Os bois lavravam e as jumentas pastavam perto deles.
15. De repente, apareceram os sabeus e levaram tudo; e passaram à espada os escravos. Só eu consegui escapar para te trazer a notícia.
16. Estando ele ainda a falar, veio outro e disse: O fogo de Deus caiu do céu; queimou, consumiu as ovelhas e os escravos. Só eu consegui escapar para te trazer a notícia.
17. Ainda este falava, e eis que chegou outro e disse: Os caldeus, divididos em três bandos, lançaram-se sobre os camelos e os levaram. Passaram a fio de espada os escravos. Só eu consegui escapar para te trazer a notícia!
18. Ainda este estava falando e eis que entrou outro, e disse: Teus filhos e filhas estavam comendo e bebendo vinho em casa do irmão mais velho,
19. quando um furacão se levantou de repente do deserto, abalou os quatro cantos da casa e esta desabou sobre os jovens. Morreram todos. Só eu consegui escapar para te trazer a notícia.
20. Jó então se levantou, rasgou o manto e rapou a cabeça. Depois, caindo prosternado por terra,
21. disse: Nu saí do ventre de minha mãe, nu voltarei. O Senhor deu, o Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!
22. Em tudo isso, Jó não cometeu pecado algum, nem proferiu contra Deus blasfêmia alguma.

 
Capítulo 2

1. Ora, um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, Satanás apareceu também no meio deles na presença do Senhor.
2. O Senhor disse-lhe: De onde vens tu? Andei dando volta pelo mundo, respondeu Satanás, e passeando por ele.
3. O Senhor disse-lhe: Notaste o meu servo Jó? Não há ninguém igual a ele na terra, íntegro, reto, temente a Deus e afastado do mal. Persevera sempre em sua integridade; foi em vão que me incitaste a perdê-lo.
4. Pele por pele!, respondeu Satanás. O homem dá tudo o que tem para salvar a própria vida.
5. Mas estende a tua mão, toca-lhe nos ossos, na carne; juro que te renegará em tua face.
6. O Senhor disse a Satanás: Pois bem, ele está em teu poder, poupa-lhe apenas a vida.
7. Satanás retirou-se da presença do Senhor e feriu Jó com uma lepra maligna, desde a planta dos pés até o alto da cabeça.
8. E Jó tomou um caco de telha para se coçar, e assentou-se sobre a cinza.
9. Sua mulher disse-lhe: Persistes ainda em tua integridade? Amaldiçoa a Deus, e morre!
10. Falas, respondeu-lhe ele, como uma insensata. Aceitamos a felicidade da mão de Deus; não devemos também aceitar a infelicidade? Em tudo isso, Jó não pecou por palavras.
11. Três amigos de Jó, Elifaz de Temã, Bildad de Chua e Sofar de Naama, tendo ouvido todo o mal que lhe tinha sucedido, vieram cada um de sua terra e combinaram ir juntos exprimir sua simpatia e suas consolações.
12. Tendo de longe levantado os olhos, não o reconheceram; e puseram-se então a chorar, rasgaram as vestes, e lançaram para o céu poeira, que recaía sobre suas cabeças.
13. Ficaram sentados no chão ao lado dele sete dias e sete noites, sem que nenhum lhe dirigisse a palavra, tão grande era a dor em que o viam mergulhado.

 
Capítulo 3

1. Então Jó abriu a boca e amaldiçoou o dia de seu nascimento.
2. Jó falou nestes termos:
3. Pereça o dia em que nasci e a noite em que foi dito: uma criança masculina foi concebida!
4. Que esse dia se mude em trevas! Que Deus, lá do alto, não se incomode com ele; que a luz não brilhe sobre ele!
5. Que trevas e obscuridade se apoderem dele, que nuvens o envolvam, que eclipses o apavorem,
6. que a sombra o domine; esse dia, que não seja contado entre os dias do ano, nem seja computado entre os meses!
7. Que seja estéril essa noite, que nenhum grito de alegria se faça ouvir nela.
8. Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoaram os dias, aqueles que são hábeis para evocar Leviatã!
9. Que as estrelas de sua madrugada se obscureçam, e em vão espere a luz, e não veja abrirem-se as pálpebras da aurora,
10. já que não fechou o ventre que me carregou para me poupar a vista do mal!
11. Por que não morri no seio materno, por que não pereci saindo de suas entranhas?
12. Por que dois joelhos para me acolherem, por que dois seios para me amamentarem?
13. Estaria agora deitado e em paz, dormiria e teria o repouso
14. com os reis, árbitros da terra, que constroem para si mausoléus;
15. com os príncipes que possuíam o ouro, e enchiam de dinheiro as suas casas.
16. Ou então, como o aborto escondido, eu não teria existido, como as crianças que não viram o dia.
17. Ali, os maus cessam os seus furores, ali, repousam os exaustos de forças,
18. ali, os prisioneiros estão tranqüilos, já não mais ouvem a voz do exator.
19. Ali, juntos, os pequenos e os grandes se encontram, o escravo ali está livre do jugo do seu senhor.
20. Por que conceder a luz aos infelizes, e a vida àqueles cuja alma está desconsolada,
21. que esperam a morte, sem que ela venha, e a procuram mais ardentemente do que um tesouro,
22. que são felizes até ficarem transportados de alegria, quando encontrarem o sepulcro?
23. Ao homem cujo caminho é escondido e que Deus cerca de todos os lados?
24. Em lugar do pão tenho meus suspiros, e os meus gemidos se espalham como a água.
25. Todos os meus temores se realizam, e aquilo que me dá medo vem atingir-me.
26. Não tenho paz, nem descanso, nem repouso; só tenho agitação.

 
Capítulo 4

1. Elifaz de Temã tomou a palavra nestes termos:
2. Se arriscarmos uma palavra, talvez ficarás aflito, mas quem poderá impedir-me de falar?
3. Eis: exortaste muita gente, deste força a mãos débeis,
4. tuas palavras levantavam aqueles que caíam, fortificaste os joelhos vacilantes.
5. Agora que é a tua vez, enfraqueces; quando és atingido, te perturbas.
6. Não é tua piedade a tua esperança, e a integridade de tua vida, a tua segurança?
7. Lembra-te: qual o inocente que pereceu? Ou quando foram destruídos os justos?
8. Tanto quanto eu saiba, os que praticam a iniqüidades e os que semeiam sofrimento, também os colhem.
9. Ao sopro de Deus eles perecem, e são aniquilados pelo vento de seu furor.
10. Urra o leão, e seu rugido é abafado; os dentes dos leõezinhos são quebrados.
11. A fera morreu porque não tinha presa, e os filhotes da leoa são dispersados.
12. Uma palavra chegou a mim furtivamente, meu ouvido percebeu o murmúrio,
13. na confusão das visões da noite, na hora em que o sono se apodera dos humanos.
14. Assaltaram-me o medo e o terror, e sacudiram todos os meus ossos;
15. um sopro perpassou pelo meu rosto, e fez arrepiar o pêlo de minha pele.
16. Lá estava um ser – não lhe vi o rosto – como um espectro sob meus olhos.
17. Ouvi uma débil voz: Pode um homem ser justo na presença de Deus, pode um mortal ser puro diante de seu Criador?
18. Ele não confia nem em seus próprios servos; até mesmo em seus anjos encontra defeitos,
19. quanto mais em seus hóspedes das casas de argila que têm o pó por fundamento! São esmagados como uma traça;
20. entre a noite e a manhã são aniquilados; sem que neles se preste atenção, morrem para sempre.
21. Não foi arrancada a estaca da tenda deles? Morrem por não terem conhecido a sabedoria.

 
Capítulo 5

1. Chama para ver se te respondem; a qual dos santos te dirigirás?
2. O arrebatamento mata o insensato, a inveja leva o tolo à morte.
3. Vi o insensato deitar raiz, e de repente sua morada apodreceu.
4. Seus filhos são privados de qualquer socorro, são pisados à porta, ninguém os defende.
5. O faminto come sua colheita e a leva embora, por detrás da cerca de espinhos, e os sequiosos engolem seus bens.
6. Pois o mal não sai do pó, e o sofrimento não brota da terra:
7. é o homem quem causa o sofrimento como as faíscas voam no ar.
8. Por isso, eu rogarei a Deus, apresentarei minha súplica ao Senhor.
9. Ele faz coisas grandes e insondáveis, maravilhas incalculáveis;
10. espalha a chuva sobre a terra, e derrama as águas sobre os campos;
11. exalta os humildes, e dá nova alegria aos que estão de luto;
12. frustra os projetos dos maus, cujas mãos não podem executar os planos;
13. apanha os jeitosos em suas próprias manhas, e os projetos dos astutos se tornam prematuros;
14. em pleno dia encontram as trevas, e andam às apalpadelas ao meio-dia como se fosse noite.
15. Salva o fraco da espada da língua deles, e o pobre da mão do poderoso;
16. volta a esperança ao infeliz, e é fechada a boca da iniqüidade.
17. Bem-aventurado o homem a quem Deus corrige! Não desprezes a lição do Todo-poderoso,
18. pois ele fere e cuida; se golpeia, sua mão cura.
19. Seis vezes te salvará da angústia, e, na sétima, o mal não te atingirá.
20. No tempo de fome, te preservará da morte, e, no combate, do gume da espada;
21. estarás a coberto do açoite da língua, não terás medo quando vires a ruína;
22. rirás das calamidades e da fome, não temerás as feras selvagens.
23. Farás um pacto com as pedras do chão, e os animais dos campos estarão em paz contigo.
24. Dentro de tua tenda conhecerás a paz, visitarás tuas terras, onde nada faltará;
25. verás tua posteridade multiplicar-se, e teus descendentes crescerem como a erva dos campos.
26. Entrarás maduro no sepulcro, como um feixe de trigo que se recolhe a seu tempo.
27. Eis o que observamos; é assim; eis o que aprendemos; tira proveito disso.

 
Capítulo 6

1. Jó tomou a palavra nestes termos:
2. Ah! se pudessem pesar minha aflição, e pôr na balança com ela meu infortúnio!
3. esta aqui apareceria mais pesada do que a areia dos mares: eis por que minhas palavras são desvairadas.
4. As setas do Todo-poderoso estão cravadas em mim, e meu espírito bebe o veneno delas; os terrores de Deus me assediam
5. Porventura orneja o asno montês, quando tem erva? Muge o touro junto de sua forragem?
6. Come-se uma coisa insípida sem sal? Pode alguém saborear aquilo que não tem gosto algum?
7. Minha alma recusa-se a tocar nisso, meu coração está desgostoso.
8. Quem me dera que meu voto se cumpra, e que Deus realize minha esperança!
9. Que Deus consinta em esmagar-me, que deixe suas mãos cortarem meus dias!
10. Teria pelo menos um consolo, e exultaria em seu impiedoso tormento, por não ter renegado as palavras do Santo.
11. Pois, que é minha força para que eu espere, qual é meu fim, para me portar com paciência?
12. Será que tenho a fortaleza das pedras, e será de bronze minha carne?
13. Não encontro socorro algum, qualquer esperança de salvação me foi tirada.
14. Recusar a piedade a um amigo é abandonar o temor ao Todo-poderoso.
15. Meus irmãos são traiçoeiros como a torrente, como as águas das torrentes que somem.
16. Rolam agitadas pelo gelo, empoçam-se com a neve derretida.
17. No tempo da seca, elas se esgotam, e ao vir o calor, seu leito seca.
18. as caravanas se desviam das veredas, penetram no deserto e perecem;
19. As caravanas de Tema espreitavam, os comboios de Sabá contavam com elas;
20. ficaram transtornados nas suas suposições: ao chegarem ao lugar, ficaram confusos.
21. É assim que falhais em cumprir o que de vós se esperava nesta hora; a vista de meu infortúnio vos aterroriza.
22. Porventura, disse-vos eu: Dai-me qualquer coisa de vossos bens, dai-me presentes,
23. livrai-me da mão do inimigo, e tirai-me do poder dos violentos?
24. Ensinai-me e eu me calarei, mostrai-me em que falhei.
25. Como são eficazes as expressões conforme a eqüidade! Mas em que podereis surpreender-me?
26. Pretendeis censurar palavras? Palavras desesperadas, leva-as o vento.
27. Seríeis capazes de pôr em leilão até mesmo um órfão, de traficar o vosso amigo!
28. Vamos, peço-vos, olhai para mim face a face, não mentirei.
29. Vinde de novo; não sejais injustos; vinde: estou inocente nessa questão.
30. Haverá iniqüidade em minha língua? Meu paladar não sabe discernir o mal?

 
Capítulo 7

1. A vida do homem sobre a terra é uma luta, seus dias são como os dias de um mercenário.
2. Como um escravo que suspira pela sombra, e o assalariado que espera seu soldo,
3. assim também eu tive por sorte meses de sofrimento, e noites de dor me couberam por partilha.
4. Apenas me deito, digo: Quando chegará o dia? Logo que me levanto: Quando chegará a noite? E até a noite me farto de angústias.
5. Minha carne se cobre de podridão e de imundície, minha pele racha e supura.
6. Meus dias passam mais depressa do que a lançadeira, e se desvanecem sem deixar esperança.
7. Lembra-te de que minha vida nada mais é do que um sopro, de que meus olhos não mais verão a felicidade;
8. o olho que me via não mais me verá, o teu me procurará, e já não existirei.
9. A nuvem se dissipa e passa: assim, quem desce à região dos mortos não subirá de novo;
10. não voltará mais à sua casa, sua morada não mais o reconhecerá.
11. E por isso não reprimirei minha língua, falarei na angústia do meu espírito, queixar-me-ei na tristeza de minha alma:
12. Porventura, sou eu o mar ou um monstro marinho, para me teres posto um guarda contra mim?
13. Se eu disser: Consolar-me-á o meu leito, e a minha cama me aliviará,
14. tu me aterrarás com sonhos, e me horrorizarás com visões.
15. Preferiria ser estrangulado; antes a morte do que meus tormentos!
16. Sucumbo, deixo de viver para sempre; deixa-me; pois meus dias são apenas um sopro.
17. O que é um homem para fazeres tanto caso dele, para te dignares ocupar-te dele,
18. para visitá-lo todas as manhãs, e prová-lo a cada instante?
19. Quando cessarás de olhar para mim, e deixarás que eu engula minha saliva?
20. Se pequei, que mal te fiz, ó guarda dos homens? Por que me tomas por alvo, e me tornei pesado a ti?
21. Por que não toleras meu pecado e não apagas minha culpa? Eis que vou logo me deitar por terra; tu me procurarás, e já não existirei.

 
Capítulo 8

1. Bildad de Chua tomou a palavra e disse:
2. Até quando dirás semelhantes coisas, e tuas palavras serão como um furacão?
3. Porventura Deus fará curvar o que é reto, e o Todo-poderoso subverterá a justiça?
4. Se teus filhos o ofenderam, ele os entregou às conseqüências de suas culpas.
5. Se recorreres a Deus, e implorares ao Todo-poderoso,
6. se fores puro e reto, ele atenderá a tua oração e restaurará a morada de tua justiça;
7. teu começo parecerá pouca coisa diante da grandeza do que se seguirá.
8. Interroga as gerações passadas, e examina com cuidado a experiência dos antepassados;
9. – porque somos uns ignorantes das (coisas) de ontem, nossos dias sobre a terra passam como a sombra -:
10. elas podem instruir-te, falar-te e de seu coração tirar este discurso:
11. Pode o papiro crescer fora do brejo, o junco germinar sem água?
12. Verde ainda, sem ser cortado, ele seca antes que as outras ervas;
13. assim acabam todos os que esquecem Deus, assim perece a esperança do ímpio;
14. sua confiança é como filandras, sua segurança, uma teia de aranha.
15. Ele se apóia sobre uma casa que não se sustenta, atém-se a uma morada que não se mantém de pé.
16. Cheio de vigor, ao sol, faz brotar suas hastes em seu jardim;
17. suas raízes se entrelaçam sobre a pedra, apóiam-se entre rochas;
18. mas se é arrancado de seu lugar, este o renega: nunca te vi.
19. Eis onde termina seu destino, e outros germinarão do solo.
20. Não; Deus não rejeita o homem íntegro, nem dá a mão aos malvados.
21. Ele porá de novo o riso em tua boca, e em teus lábios, gritos de alegria;
22. teus inimigos serão cobertos de vergonha, a tenda dos maus desaparecerá.

 
Capítulo 9

1. Jó tomou a palavra nestes termos:
2. Sim; bem sei que é assim; como poderia o homem ter razão contra Deus?
3. Se quisesse disputar com ele, não lhe responderia uma vez entre mil.
4. Deus é sábio em seu coração e poderoso, quem pode afrontá-lo impunemente?
5. Ele transporta os montes sem que estes percebam, ele os desmorona em sua cólera.
6. Sacode a terra em sua base, e suas colunas são abaladas.
7. Dá uma ordem ao sol que não se levante, põe um selo nas estrelas.
8. Ele sozinho formou a extensão dos céus, e caminha sobre as alturas do mar.
9. Ele criou a Grande Ursa, Órion, as Plêiades, e as câmaras austrais.
10. Fez maravilhas insondáveis, prodígios incalculáveis.
11. Ele passa despercebido perto de mim, toca levemente em mim sem que eu tenha percebido.
12. Quem poderá impedi-lo de arrebatar uma presa? Quem lhe dirá: Por que fazes isso?
13. De sua cólera Deus não volta atrás; diante dele jazem prosternados os auxiliares de Raab.
14. Quem sou eu para replicar-lhe, para escolher argumentos contra ele?
15. Ainda que eu tivesse razão, não responderia; pediria clemência a meu juiz.
16. Se eu o chamasse, e ele não me respondesse, não acreditaria que tivesse ouvido a minha voz;
17. ele, que me desfaz como um redemoinho, que multiplica minhas feridas sem manifestar o motivo,
18. que não me deixa tomar fôlego, mas me enche de amarguras.
19. Se se busca fortaleza, é ele o forte; se se busca o direito, quem o determinará?
20. Se eu pretendesse ser justo, minha boca me condenaria; se fosse inocente, ela me declararia perverso.
21. Inocente! Sim, eu o sou; pouco me importa a vida, desprezo a existência.
22. Pouco importa; é por isso que eu disse que ele faz perecer o inocente como o ímpio.
23. Se um flagelo causa de repente a morte, ele ri-se do desespero dos inocentes.
24. A terra está entregue nas mãos dos maus, e ele cobre com um véu os olhos de seus juízes; se não é ele, quem é pois (que faz isso)?
25. Os dias de minha vida são mais rápidos do que um corcel, fogem sem ter visto a felicidade
26. passam como as barcas de junco, como a águia que se precipita sobre a presa
27. Se decido esquecer minha queixa, abandonar meu ar triste e voltar a ser alegre,
28. temo por todos os meus tormentos, sabendo que não me absolverás.
29. Tenho certeza de ser condenado: o que me adianta cansar-me em vão?
30. Por mais que me lavasse na neve, que limpasse minhas mãos na lixívia,
31. tu me atirarias na imundície, e as minhas próprias vestes teriam horror de mim.
32. (Deus) não é um homem como eu a quem possa responder, com quem eu possa comparecer na justiça,
33. pois que não há entre nós árbitro que ponha sua mão sobre nós dois.
34. Que (Deus) retire sua vara de cima de mim, para pôr um termo a seus medonhos terrores;
35. então lhe falarei sem medo; pois, estou só comigo mesmo.

 
Capítulo 10

1. A minha alma está desgostosa da vida, dou livre curso ao meu lamento; falarei na amargura de meu coração.
2. Em lugar de me condenar, direi a Deus: Mostra-me por que razão me tratas assim.
3. Encontras prazer em oprimir, em renegar a obra de tuas mãos, em favorecer os planos dos maus?
4. Terás olhos de carne, ou vês as coisas como as vêem os homens?
5. Serão os teus dias como os dias de um mortal, e teus anos, como os dos humanos,
6. para que procures a minha culpa e persigas o meu pecado,
7. quando sabes que não sou culpado e que ninguém me pode salvar de tuas mãos?
8. Tuas mãos formaram-me e fizeram-me; mudando de idéia, me destruirás!
9. Lembra-te de que me formaste como o barro; far-me-ás agora voltar à terra?
10. Não me ordenhaste como leite e coalhaste como queijo?
11. De pele e carne me revestiste, de ossos e nervos me teceste:
12. concedeste-me vida e misericórdia; tua providência conservou o meu espírito.
13. Mas eis o que escondias em teu coração, vejo bem o que meditavas.
14. Se peco, me observas, não perdoarás o meu pecado.
15. Se eu for culpado, ai de mim! Se for inocente, não ousarei levantar a cabeça, farto de vergonha e consciente de minha miséria.
16. Esgotado, me caças como um leão. Não cessas de desfraldar contra mim teu estranho poder;
17. redobras contra mim teus assaltos, teu furor cresce contra mim, e vigorosas tropas vêm-me cercar.
18. Por que me tiraste do ventre? Teria morrido; nenhum olho me teria visto.
19. Teria sido como se nunca tivesse existido: do ventre, me teriam levado ao túmulo.
20. Não são bem curtos os dias de minha vida? Que ele me deixe respirar um instante,
21. antes que eu parta, para não mais voltar, ao tenebroso país das sombras da morte,
22. opaca e sombria região, reino de sombra e de caos, onde a noite faz as vezes de claridade.

 
Capítulo 11

1. Então Sofar de Naama tomou a palavra nestes termos:
2. Ficará sem resposta o que fala muito, dar-se-á razão ao grande falador?
3. Tua loquacidade fará calar a gente; zombarás sem que ninguém te repreenda?
4. Dizes: Minha opinião é a verdadeira, sou puro a teus olhos.
5. Oh! Se Deus pudesse falar, e abrir seus lábios para te responder,
6. revelar-te os mistérios da sabedoria que são ambíguos para o espírito, saberias então que Deus esquece uma parte de tua iniqüidade.
7. Pretendes sondar as profundezas divinas, atingir a perfeição do Todo-poderoso?
8. Ela é mais alta do que o céu: que farás? É mais profunda que os infernos: como a conhecerás?
9. É mais longa que a terra, mais larga que o mar.
10. Se ele surge para aprisionar, se apela à justiça, quem o impedirá?
11. Pois ele conhece os malfeitores, descobre a iniqüidade, presta atenção.
12. Diante disso, uma cabeça oca poderia compreender, um asno tornar-se-ia razoável.
13. Se voltares teu coração para Deus, e para ele estenderes os braços;
14. se afastares de tuas mãos o mal, e não abrigares a iniqüidade debaixo de tua tenda,
15. então poderás erguer a fronte sem mancha; serás estável, sem mais nenhum temor.
16. Esquecerás daí por diante as tuas penas: como águas que passaram, serão apenas uma lembrança;
17. o futuro te será mais brilhante do que o meio-dia, as trevas se mudarão em aurora;
18. terás confiança e ficarás cheio de esperança: olhando em volta de ti, dormirás tranqüilo;
19. repousarás sem que ninguém te inquiete muitos acariciarão teu rosto,
20. mas os olhos dos maus serão consumidos; para eles, nenhum refúgio; não terão outra esperança senão em seu último suspiro.

 
Capítulo 12

1. Jó tomou a palavra nestes termos:
2. Sois mesmo gente muito hábil, e convosco morrerá a sabedoria.
3. Tenho também o espírito como o vosso (não vos sou inferior): quem, pois, ignoraria o que sabeis?
4. Os amigos escarnecem daquele que invoca Deus para que ele lhe responda,
e zombam do justo e do inocente.
5. Vergonha para a infelicidade! É o modo de pensar do infeliz; só há desprezo para aquele cujo pé fraqueja.
6. As tendas dos bandidos gozam de paz; segurança para aqueles que provocam Deus, que não têm outro Deus senão o próprio braço.
7. Pergunta, pois, aos animais e eles te ensinarão; às aves do céu e elas te instruirão.
8. Fala (aos répteis) da terra, e eles te responderão, e aos peixes do mar, e eles te darão lições.
9. Entre todos esses seres quem não sabe que a mão de Deus fez tudo isso,
10. ele que tem em mãos a alma de tudo o que vive, e o sopro de vida de todos os humanos?
11. Não discerne o ouvido as palavras como o paladar discerne o sabor das iguarias?
12. A sabedoria pertence aos cabelos brancos, a longa vida confere a inteligência.
13. Em (Deus) residem sabedoria e poder; ele possui o conselho e a inteligência.
14. O que ele destrói não será reconstruído; se aprisionar um homem, ninguém há que o solte.
15. Quando faz as águas pararem, há seca; se as soltar, submergirão a terra.
16. Nele há força e prudência; ele conhece o que engana e o enganado;
17. faz os árbitros andarem descalços, torna os juízes estúpidos;
18. desata a cinta dos reis e cinge-lhes os rins com uma corda;
19. faz os sacerdotes andarem descalços, e abate os poderosos;
20. tira a palavra aos mais seguros de si mesmos e retira a sabedoria dos velhos;
21. derrama o desprezo sobre os nobres, afrouxa a cinta dos fortes,
22. põe a claro os segredos das trevas, e traz à luz a sombra da morte.
23. Torna grandes as nações, e as destrói; multiplica os povos, depois os suprime.
24. Tira a razão dos chefes da terra e os deixa perdidos num deserto sem pista;
25. andam às apalpadelas nas trevas, sem luz; tropeçam como um embriagado.

 
Capítulo 13

1. Meus olhos viram todas essas coisas, meus ouvidos as ouviram e as guardaram;
2. aquilo que vós sabeis, eu também o sei, não vos sou inferior em nada.
3. Mas é com o Todo-poderoso que eu desejaria falar, é com Deus que eu desejaria discutir,
4. pois vós não sois mais que impostores, não sois senão médicos que não prestam para nada.
5. Se pudésseis guardar silêncio, tomar-vos-iam por sábios.
6. Escutai, pois, minha defesa, atendei aos quesitos que vou anunciar.
7. Para defender Deus, ireis dizer mentiras. Será preciso enganardes em seu favor?
8. Tereis, para com ele, juízos preconcebidos, e vos arvorais em ser seus advogados?
9. Seria, porventura, bom que ele vos examinasse? Iríeis enganá-lo como se engana um homem?
10. Ele não deixará de vos castigar, se tomardes seu partido ocultamente.
11. Sua majestade não vos atemorizará? Seus terrores não vos esmagarão?
12. Vossos argumentos são razões de poeira, vossas dilapidações são obras de barro.
13. Calai-vos! Deixai-me! Quero falar: aconteça depois o que acontecer!
14. Lacero a minha carne com os meus dentes, ponho minha vida em minha mão.
15. Se ele me mata, nada mais tenho a esperar, e assim mesmo defenderei minha causa diante dele.
16. Isso já será minha salvação, que o ímpio não seja admitido em sua presença.
17. Escutai, pois, meu discurso, dai ouvido às minhas explicações;
18. estou pronto para defender minha causa, sei que sou eu quem tem razão.
19. Se alguém quiser demandar contra mim no mesmo instante desejarei calar e morrer.
20. Poupai-me apenas duas coisas! E não me esconderei de tua face:
21. afasta de sobre mim a tua mão, põe um termo ao medo de teus terrores.
22. Chama por mim, e eu te responderei; ou então, falarei eu, e tu terás a réplica.
23. Quantas faltas e pecados cometi eu? Dá-me a conhecer minhas faltas e minhas ofensas.
24. Por que escondes de mim a tua face, e por que me consideras como um inimigo?
25. Queres, então, assustar uma folha levada pelo vento, ou perseguir uma folha ressequida?
26. Pois queres ditar contra mim amargas sentenças, e queres que me sejam imputadas as faltas de minha mocidade,
27. queres enfiar os meus pés no cepo, espiar todos os meus passos, e contar os rastos de meus pés?
28. (E ele se gasta como um pau bichado, como um tecido devorado pela traça).

 
Capítulo 14

1. O homem nascido da mulher vive pouco tempo e é cheio de muitas misérias;
2. é como uma flor que germina e logo fenece, uma sombra que foge sem parar.
3. E é sobre ele que abres os olhos, e o chamas a juízo contigo.
4. Quem fará sair o puro do impuro? Ninguém.
5. Se seus dias estão contados, se em teu poder está o número dos seus meses, e fixado um limite que ele não ultrapassará,
6. afasta dele os teus olhos; deixa-o até que acabe o seu dia como um trabalhador.
7. Para uma árvore, há esperança; cortada, pode reverdecer, e os seus ramos brotam.
8. Quando sua raiz tiver envelhecido na terra, e seu tronco estiver morto no solo,
9. ao contato com a água, tornar-se-á verde de novo, e distenderá ramos como uma jovem planta.
10. Mas quando o homem morre, fica estendido; o mortal expira; onde está ele?
11. As águas correm do lago, o rio se esgota e seca;
12. assim o homem se deita para não mais levantar. Durante toda a duração dos céus, ele não despertará; jamais sairá de seu sono.
13. Se, pelo menos, me escondesses na região dos mortos, ao abrigo, até que tua cólera tivesse passado, se me fixasses um limite em que te lembrasses de mim!
14. Se um homem, uma vez morto, pudesse reviver! Todo o tempo de meu combate eu esperaria até que me viessem soerguer,
15. tu me chamarias e eu te responderia; estenderias a tua destra para a obra de tuas mãos.
16. Mas agora contas os meus passos, e observas todos os meus pecados;
17. tu selaste como num saco os meus crimes, puseste um sinal sobre minhas iniqüidades.
18. Mas a montanha acaba por cair, e o rochedo desmorona longe de seu lugar;
19. as águas escavam a pedra, o aluvião leva a terra móvel; assim aniquilas a esperança do homem.
20. Tu o pões por terra; ele se vai embora para sempre; tu o desfiguras e o mandas embora.
21. Estejam os seus filhos honrados, ele o ignora; sejam eles humilhados, não faz caso.
22. É somente por ele que sua carne sofre; sua alma só se lamenta por ele.

 
Capítulo 15

1. Elifaz de Temã tomou a palavra nestes termos:
2. Porventura, responde o sábio como se falasse ao vento e enche de ar o seu ventre?
3. Defende-se ele com fúteis argumentos, e com palavras que não servem para nada?
4. Acabarás destruindo a piedade, reduzes a nada o respeito devido a Deus;
5. pois é a iniqüidade que inspira teus discursos e adotas a linguagem dos impostores.
6. É a tua boca que te condena, e não eu; são teus lábios que dão testemunho contra ti mesmo.
7. És, porventura, o primeiro homem que nasceu, e foste tu gerado antes das colinas?
8. Assististe, porventura, ao conselho de Deus, monopolizaste a sabedoria?
9. Que sabes tu que nós ignoremos, que aprendeste que não nos seja familiar?
10. Há entre nós também velhos de cabelos brancos, muito mais avançados em dias do que teu pai.
11. Fazes pouco caso das consolações divinas, e das doces palavras que te são dirigidas?
12. Por que te deixas levar pelo impulso de teu coração, e o que significam esses maus olhares?
13. É contra Deus que ousas encolerizar-te, e que tua boca profere tais discursos!
14. Que é o homem para que seja puro e o filho da mulher, para que seja justo?
15. Nem mesmo de seus santos Deus se fia, e os céus não são puros a seus olhos;
16. quanto mais do ser abominável e corrompido, o homem, que bebe a iniqüidade como a água?
17. Ouve-me; vou instruir-te: eu te contarei o que vi,
18. aquilo que os sábios ensinam, aquilo que seus pais não lhes ocultaram,
19. (aos quais, somente, foi dada esta terra, e no meio dos quais não tinha penetrado estrangeiro algum).
20. Em todos os dias de sua vida o mau está angustiado, os anos do opressor são em número restrito,
21. ruídos terrificantes ressoam-lhe aos ouvidos, no seio da paz, lhe sobrevém o destruidor.
22. Ele não espera escapar das trevas, está destinado ao gume da espada.
23. Anda às tontas à procura de seu pão, sabe que o dia das trevas está a seu lado.
24. A tribulação e a angústia vêm sobre ele como um rei que vai para o combate,
25. porque levantou a mão contra Deus, e desafiou o Todo-poderoso,
26. correndo contra ele com a cabeça levantada, por detrás da grossura de seus escudos;
27. porque cobriu de gordura o seu rosto, e deixou a gordura ajuntar-se sobre seus rins,
28. habitando em cidades desoladas, em casas que foram abandonadas, destinadas a se tornarem montões de pedras;
29. não se enriquecerá, nem os seus bens resistirão, não mais estenderá sua sombra sobre a terra,
30. não escapará às trevas; o fogo queimará seus ramos, e sua flor será levada pelo vento.
31. (Que não se fie na mentira: ficará prisioneiro dela; a mentira será a sua recompensa).
32. Suas ramagens secarão antes da hora, seus sarmentos não ficarão verdes;
33. como a vinha, sacudirá seus frutos verdes, como a oliveira, deixará cair a flor.
34. Pois a raça dos ímpios é estéril, e o fogo devora as tendas do suborno.
35. Quem concebe o mal, gera a infelicidade: é o engano que amadurece em seu seio.

 
Capítulo 16

1. Jó respondeu então nestes termos:
2. Já ouvi muitas vezes discursos semelhantes, sois todos uns consoladores importunos.
3. Quando terão fim essas palavras atiradas ao ar? Que é que te excitava a falar?
4. Eu também podia falar como vós, se estivésseis em meu lugar. Arranjaria discursos a vosso respeito, e sacudiria a cabeça acerca de vós;
5. eu vos encorajaria verbalmente, e moveria os meus lábios sem nenhuma avareza.
6. Se falo, nem por isso se aplaca a minha dor; se calo, estará ela consolada?
7. Mas Deus me extenuou; estou aniquilado; toda a sua tropa me pegou.
8. Minha magreza tornou-se testemunho contra mim, ela depõe contra mim.
9. Sua cólera me fere e me persegue, ele range os dentes contra mim. Meus inimigos dardejam os olhos sobre mim.
10. Abrem a boca para me devorar; batem-me na face para me ultrajar, rebelam-se todos contra mim.
11. Deus me entrega aos perversos, joga-me nas mãos dos malvados.
12. Eu estava em paz, ele ma tirou, segurou-me pela nuca e me pôs em pedaços. Tomou-me como alvo.
13. Suas setas voam em volta de mim. Ele rasga meus rins sem piedade, espalha meu fel por terra.
14. Abre em mim brecha sobre brecha, ataca-me como um guerreiro.
15. Cosi um saco sobre minha pele, rolei minha fronte no pó.
16. Meu rosto está vermelho de lágrimas, a sombra da morte estende-se sobre minhas pálpebras.
17. Entretanto, não há violência em minhas mãos e minha oração é pura.
18. Ó terra, não cubras o meu sangue, e que seu grito não seja sufocado pela tumba.
19. Tenho desde já uma testemunha no céu, um defensor na alturas.
20. Minha oração subiu até Deus, meus olhos choram diante dele.
21. Que ele mesmo julgue entre o homem e Deus, entre o homem e seu semelhante!
22. Pois meus anos contados se esgotam, entro numa vereda por onde não passarei de novo.

 
Capítulo 17

1. O sopro de minha vida vai-se consumindo, os meus dias se apagam, só me resta o sepulcro.
2. Estou cercado por zombadores, meu olho vela por causa de seus ultrajes.
3. Sê tu mesmo a minha caução junto de ti, e quem ousará bater em minha mão?
4. Pois fechaste o seu coração à inteligência, por isto não os deixarás triunfar.
5. Há quem convide seus amigos à partilha, quando desfalecem os olhos de seus filhos.
6. Ele me reduziu a ser a fábula dos povos, e me cospem no rosto.
7. Meus olhos estão atingidos pela tristeza, todo o meu corpo não é mais que uma sombra.
8. As pessoas retas estão estupefactas, e o inocente se irrita contra o ímpio;
9. o justo, entretanto, persiste no seu caminho, o homem de mãos puras redobra de coragem.
10. Mas vós todos voltai, vinde, pois não acharei entre vós nenhum sábio?
11. Meus dias se esgotam, meus projetos estão aniquilados, frustraram-se os projetos do meu coração.
12. Fazem da noite, dia, a luz da manhã é para mim como trevas.
l3 Deverei esperar? A região dos mortos é a minha morada, preparo meu leito no local tenebroso.
l4 Disse ao sepulcro: És meu pai, e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã.
l5 Onde está, pois, minha esperança? E minha felicidade, quem a entrevê?
l6 Descerão elas comigo à região dos mortos, e nos afundaremos juntos na terra?

 
Capítulo 18

1. Bildad de Chua falou então nestes termos:
2. Quando acabarás de falar, e terás a sabedoria de nos deixar dizer?
3. Por que nos consideras como animais, e por que passamos por estúpidos a teus olhos?
4. Tu que te rasgas em teu furor, é preciso que por tua causa a terra seja abandonada, e que os rochedos mudem de lugar?
5. Sim, a luz do mau se apagará, e a flama de seu fogo cessará de alumiar.
6. A luz obscurece em sua tenda, e sua lâmpada sobre ele se apagará;
7. seus passos firmes serão cortados, seus próprios desígnios os farão tropeçar.
8. Seus pés se prendem numa rede, e ele anda sobre malhas.
9. A armadilha o segura pelo calcanhar, um laço o aperta.
10. Uma corda se esconde sob a terra para pegá-lo, uma armadilha, ao longo da vereda.
11. De todas as partes temores o amedrontam, e perseguem-no passo a passo.
12. A calamidade vem faminta sobre ele, a infelicidade está postada a seu lado.
13. A pele de seu corpo é devorada, o filho mais velho da morte devora-lhe os membros;
14. é arrancado da tenda, onde se sentia seguro, levam-no ao rei dos terrores.
15. Podes estabelecer-te em sua tenda: ele não existe mais; o enxofre é espalhado em seu domínio.
16. Por baixo suas raízes secam, e por cima seus ramos definham.
17. Sua memória apaga-se da terra, nada mais lembra o seu nome na região.
18. É arrojado da luz para as trevas, é desterrado do mundo.
19. Não tem descendente nem posteridade em sua tribo, nem sobrevivente algum em sua morada.
20. O Ocidente está estupefacto com sua sorte, o Oriente treme diante dela.
2l Eis o que acontece com as tendas dos ímpios, os lugares habitados pelo homem que não conhece Deus.

 
Capítulo 19

1. Jó respondeu então nestes termos:
2. Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vossos discursos?
3. Eis que já por dez vezes me ultrajastes, e não vos envergonhais de me insultar.
4. Mesmo que eu tivesse verdadeiramente pecado, minha culpa só diria respeito a mim mesmo.
5. Se vos quiserdes levantar contra mim, e convencer-me de ignomínia,
6. sabei que foi Deus quem me afligiu e me cercou com suas redes.
7. Clamo contra a violência, e ninguém me responde; levanto minha voz, e não há quem me faça justiça.
8. Fechou meu caminho para que eu não possa passar, e espalha trevas pelo meu caminho;
9. despojou-me de minha glória, e tirou-me a coroa da cabeça.
10. Demoliu-me por inteiro, e pereço, desenraizou minha esperança como uma árvore,
11. acendeu a sua cólera contra mim, tratou-me como um inimigo.
12. Suas milícias se concentraram, construíram aterros para me assaltarem, acamparam em volta de minha tenda.
13. Meus irmãos foram para longe de mim, meus amigos de mim se afastaram.
14. Meus parentes e meus íntimos desapareceram, os hóspedes de minha casa esqueceram-se de mim.
15. Minhas servas olham-me como um estranho, sou um desconhecido para elas.
16. Chamo meu escravo, ele não responde, preciso suplicar-lhe com a boca.
17. Minha mulher tem horror de meu hálito, sou pesado aos meus próprios filhos.
18. Até as crianças caçoam de mim; quando me levanto, troçam de mim.
19. Meus íntimos me abominam, aqueles que eu amava voltam-se contra mim.
20. Meus ossos estão colados à minha pele, à minha carne, e fujo com a pele de meus dentes.
21. Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, pois a mão de Deus me feriu.
22. Por que me perseguis como Deus, e vos mostrais insaciáveis de minha carne?
23. Oh!, se minhas palavras pudessem ser escritas, consignadas num livro,
24. gravadas por estilete de ferro em chumbo, esculpidas para sempre numa rocha!
25. Eu o sei: meu vingador está vivo, e aparecerá, finalmente, sobre a terra.
26. Por detrás de minha pele, que envolverá isso, na minha própria carne, verei Deus.
27. Eu mesmo o contemplarei, meus olhos o verão, e não os olhos de outro; meus rins se consomem dentro de mim.
28. Pois, se dizes: Por que o perseguimos, e como encontraremos nele uma razão para condená-lo?
29. Temei o gume da espada, pois a cólera de Deus persegue os maus, e sabereis que há uma justiça.

 
Capítulo 20

1. Sofar de Naama falou nestes termos:
2. É por isso que meus pensamentos me sugerem uma resposta, e estou impaciente por falar.
3. Ouvi queixas injuriosas, foram palavras vãs que responderam a meu espírito.
4. Não sabes bem que, em todos os tempos, desde que o homem foi posto na terra,
5. o triunfo dos maus é breve, e a alegria do ímpio só dura um instante?
6. Ainda mesmo que sua estatura chegasse até o céu e sua cabeça tocasse a nuvem,
7. como o seu próprio esterco, ele perece para sempre, e aqueles que o viam, indagam onde ele está.
8. Como um sonho, ele voa, ninguém mais o encontra, desaparece como uma visão noturna.
9. O olho que o viu, já não mais o vê, nem o verá mais a sua morada.
10. Seus filhos aplacarão os pobres, suas mãos restituirão suas riquezas.
11. Seus ossos estavam cheios de vigor juvenil, sua mocidade deita-se com ele no pó.
12. Se o mal lhe foi doce na boca, se o ocultou debaixo da língua,
13. se o reteve e não o abandonou, se o saboreou com seu paladar,
14. esse alimento se transformará em suas entranhas, e se converterá interiormente em fel de áspides.
15. Vomitará as riquezas que engoliu; Deus as fará sair-lhe do ventre.
16. Sugava o veneno de áspides, a língua da víbora o matará.
17. Não verá correr os riachos de óleo, as torrentes de mel e de leite.
18. Vomitará seu ganho, sem poder engoli-lo, não gozará o fruto de seu tráfico.
19. Porque maltratou, desamparou os pobres, roubou uma casa que não tinha construído,
20. porque sua avidez é insaciável, não salvará o que lhe era mais caro.
21. Nada escapava à sua voracidade: é por isso que sua felicidade não há de durar.
22. Em plena abundância, sentirá escassez; todos os golpes da infelicidade caem sobre ele.
23. Para encher-lhe o ventre (Deus) desencadeia o fogo de sua cólera, e fará chover a dor sobre ele.
24. Se foge diante da arma de ferro, o arco de bronze o traspassa,
25. um dardo sai-lhe das costas, um aço fulgurante sai-lhe do fígado. O terror desaba sobre ele,
26. e ser-lhe-ão reservadas as trevas. Um fogo, que o homem não acendeu, o devora e consome o que sobra em sua tenda.
27. Os céus revelam seu crime, a terra levanta-se contra ele,
28. uma torrente joga-se contra sua casa, que é levada no dia da cólera divina.
29. Tal é a sorte que Deus reserva ao mau, e a herança que Deus lhe destina.

 
Capítulo 21

1. Jó tomou então a palavra nestes termos:
2. Ouvi, ouvi minhas palavras, que eu tenha pelo menos esse consolo de vossa parte.
3. Permiti que eu fale; quando tiver falado, zombai à vontade.
4. É de um homem que me queixo? E como não hei de perder a paciência?
5. Olhai para mim; ireis ficar estupefactos, e poreis a mão sobre a boca.
6. Quando penso nisso, fico estarrecido, e todo o meu corpo treme.
7. Como é que os maus vivem, envelhecem, e cresce o seu vigor?
8. Sua posteridade prospera diante deles, e seus descendentes sob seus olhos;
9. sua casa é tranqüila, sem alarmes, a vara de Deus não os atinge.
10. Seu touro é cada vez mais fecundo, sua vaca dá cria sem nunca abortar.
11. Deixam os filhos correr como carneiros, e os seus pequenos saltam e brincam.
12. Cantam ao som do pandeiro e da cítara, divertem-se ao som da flauta.
13. Passam os dias na alegria, e descem tranqüilamente à região dos mortos.
14. Ora, dizem a Deus: Afasta-te de nós, não queremos conhecer os teus caminhos;
15. quem é o Todo-poderoso para que o sirvamos? Que vantagem temos em lhe fazer orações?
16. A felicidade não está em suas mãos? Contudo, longe de mim esteja o modo de pensar dos ímpios!
17. Quantas vezes vemos apagar-se a lâmpada dos ímpios, e a ruína desabar sobre eles?
18. São eles como a palha ao sopro do vento, como a cinza tragada pelo turbilhão?
19. Deus (assim dizem), reserva para os filhos o castigo do pai. Que ele mesmo o puna, para que o sinta!
20. Que veja com os próprios olhos a sua ruína, e ele mesmo beba da cólera do Todo-poderoso!
21. Que se lhe dá do que será feito de sua casa depois dele, se o número de seus meses já está contado?
22. É a Deus, que se irá ensinar a sabedoria, a ele, que julga os seres superiores?
23. Um morre no seio da prosperidade, plenamente feliz e tranqüilo,
24. os flancos cobertos de gordura, e a medula dos ossos cheia de seiva;
25. o outro morre com a amargura na alma, sem ter gozado a felicidade;
26. juntos se deitam na terra, e os vermes recobrem a ambos.
27. Ah! conheço vossos pensamentos, os julgamentos iníquos que fazeis de mim.
28. Dizeis: Onde está a casa do tirano, onde está a tenda em que habitavam os ímpios?
29. Não interrogastes os viajantes? Contestaríeis seus testemunhos?
30. No dia da infelicidade o ímpio é poupado, no dia da cólera ele escapa.
31. Quem reprova diante dele o seu proceder, e lhe pede contas de seus atos?
32. Levam-no ao sepulcro, ficarão de vigília em sua câmara funerária.
33. Os torrões do vale são-lhe leves; todos os homens irão em sua companhia, e foram inumeráveis seus predecessores.
34. Que significam, pois, essas vãs consolações? Todas as vossas respostas são apenas perfídia.

 
Capítulo 22

1. Elifaz de Temã tomou a palavra nestes termos:
2. Pode o homem ser útil a Deus? O sábio só é útil a si mesmo.
3. De que serve ao Todo-poderoso que tu sejas justo? Tem ele interesse que teu proceder seja íntegro?
4. É por causa de tua piedade que ele te pune, e entra contigo em juízo?
5. Não é enorme a tua malícia, e não são inumeráveis as tuas iniqüidades?
6. Sem causa tomaste penhores a teus irmãos, despojaste de suas vestes os miseráveis;
7. não davas água ao sedento, recusavas o pão ao esfomeado.
8. A terra era do mais forte, e o protegido é que nela se estabelecia.
9. Despedias as viúvas com as mãos vazias, quebravas os braços dos órfãos.
10. Eis por que estás cercado de laços, e os terrores súbitos te amedrontam.
11. A luz obscureceu-se; já não vês nada; e o dilúvio águas te engole.
12. Não está Deus nas alturas dos céus? Vê a cabeça das estrelas como está alta!
13. E dizes: Que sabe Deus? Pode ele julgar através da nuvem opaca?
14. As nuvens formam um véu que o impede de ver; ele passeia pela abóbada do céu.
15. Segues, pois, rotas antigas por onde andavam os homens iníquos
16. que foram arrebatados antes do tempo, e cujos fundamentos foram arrastados com as águas,
17. e que diziam a Deus: Retira-te de nós, que poderia fazer-nos o Todo-poderoso?
18. Foi ele, entretanto, que lhes cumulou de bens as casas; – longe de mim os conselhos dos maus! –
19. Vendo-os, os justos se alegram, e o inocente zomba deles:
20. Nossos inimigos estão aniquilados, e o fogo devorou-lhes as riquezas!
21. Reconcilia-te, pois, com (Deus) e faz as pazes com ele, é assim que te será de novo dada a felicidade;
22. aceita a instrução de sua boca, e põe suas palavras em teu coração.
23. Se te voltares humildemente para o Todo-poderoso, se afastares a iniqüidade de tua tenda,
24. se atirares as barras de ouro ao pó, e o ouro de Ofir entre os pedregulhos da torrente,
25. o Todo-poderoso será teu ouro e um monte de prata para ti.
26. Então farás do Todo-poderoso as tuas delícias, e levantarás teu rosto a Deus.
27. Tu lhe rogarás, e ele te ouvirá, e cumprirás os teus votos:
28. formarás os teus projetos, que terão feliz êxito, e a luz brilhará em tuas veredas.
29. Pois Deus abaixa o altivo e o orgulhoso, mas socorre aquele que abaixa os olhos.
30. Salva o inocente, o qual é libertado pela pureza de suas mãos.

 
Capítulo 23

1. Jó tomou a palavra nestes termos:
2. Sim, hoje minha queixa é uma revolta; sua mão pesa sobre meus suspiros.
3. Ah! se pudesse encontrá-lo, e chegar até seu trono!
4. Exporia diante dele minha causa, encheria minha boca de argumentos,
5. saberia o que ele iria responder-me, e veria o que ele teria para me dizer.
6. Oporia ele contra mim a sua onipotência? Bastaria que lançasse os olhos em mim;
7. seria então um justo a discutir com ele, e eu iria embora definitivamente absolvido pelo meu juiz.
8. Mas se eu for ao oriente, lá ele não está; ao ocidente, não o encontrarei;
9. se o procuro ao norte, não o vejo; se me volto para o sul, não o descubro.
10. Mas ele conhece o meu caminho; e se me põe à prova, dela sairei puro como o ouro.
11. Meu pé seguiu os seus traços, guardei o seu caminho sem me desviar.
12. Não me afastei dos preceitos de seus lábios, guardei no meu íntimo as palavras de sua boca.
13. Mas ele decidiu alguma coisa; quem o fará voltar atrás? Ele faz o que bem lhe agrada.
14. Realizará seu desígnio a meu respeito, e tem muitos projetos iguais a este.
15. Eis por que sua presença me atemoriza: basta o seu pensamento para me fazer tremer.
16. Deus fundiu o meu coração, o Todo-poderoso me enche de terror.
17. Sucumbo diante das trevas, as trevas cobriram-me o rosto.

 
Capítulo 24

1. Por que não reserva tempos para si o Todo-poderoso? E por que ignoram seus dias os que lhe são fiéis?
2. Os maus mudam as divisas das terras, e fazem pastar o rebanho que roubaram.
3. Empurram diante de si o jumento do órfão, e tomam em penhor o boi da viúva.
4. Afastam os pobres do caminho, todos os miseráveis da região precisam esconder-se.
5. Como os asnos no deserto, saem para o trabalho, à procura do que comer, à procura do pão para seus filhos.
6. Ceifam a forragem num campo, vindimam a vinha do ímpio.
7. Passam a noite nus, sem roupa, sem cobertor contra o frio.
8. São banhados pelas chuvas da montanha; sem abrigo, abraçam-se com as rochas.
9. Arrancam o órfão do seio materno, tomam em penhor as crianças do pobre.
10. Andam nus, despidos, esfomeados, carregam feixes.
11. Espremem o óleo nos celeiros, pisam os lagares, morrendo de sede.
12. Sobe da cidade o estertor dos moribundos, a alma dos feridos grita: Deus não ouve suas súplicas.
13. Outros são rebeldes à luz, não conhecem seus caminhos, não habitam em suas veredas.
14. O homicida levanta-se quando cai o dia, para matar o pobre e o indigente; o ladrão vagueia durante a noite.
15. O adúltero espreita o crepúsculo: Ninguém me verá, diz ele, e põe um véu no rosto.
16. Nas trevas, forçam as casas; escondem-se durante o dia; não conhecem a luz.
17. Para eles, com efeito, a manhã é uma sombra espessa, pois estão acostumados aos terrores da noite.
18. Correm rapidamente à superfície das águas, sua herança é maldita na terra; já não tomarão o caminho das vinhas.
19. Como a seca e o calor absorvem a água das neves, assim a região dos mortos engole os pecadores.
20. O ventre que o gerou, esquece-o, os vermes fazem dele as suas delícias; ninguém mais se lembra dele.
21. A iniqüidade é quebrada como uma árvore. Maltratava a mulher estéril e sem filhos, não fazia o bem à viúva;
22. punha sua força a serviço dos poderosos. Levanta-se e já não pode mais contar com a vida.
23. Ele lhes dá segurança e apoio, mas seus olhos vigiam seus caminhos.
24. Levantam-se, subitamente já não existem; caem; como os outros, são arrebatados, são ceifados como cabeças de espigas.
25. Se assim não é, quem me desmentirá, quem reduzirá a nada as minhas palavras?

 
Capítulo 25

1. Bildad de Chua tomou então a palavra nestes termos:
2. A ele, o poder e a majestade, em sua alta morada faz reinar a paz.
3. Podem ser contadas as suas legiões? Sobre quem não se levanta a sua luz?
4. Como seria justo o homem diante de Deus, como seria puro o filho da mulher?
5. Até mesmo a luz não brilha, e as estrelas não são puras a seus olhos;
6. quanto menos o homem, esse verme, e o filho do homem, esse vermezinho.

 
Capítulo 26

1. Jó tomou então a palavra nestes termos:
2. Como sabes sustentar bem o fraco, e socorrer um braço sem vigor!
3. Como sabes aconselhar o ignorante, e dar mostras de abundante sabedoria!
4. A quem diriges este discurso? Sob a inspiração de quem falas tu?
5. As sombras agitam-se embaixo (da terra), as águas e seus habitantes (estão temerosos).
6. A região dos mortos está aberta diante dele, os infernos não têm véu.
7. Estende o setentrião sobre o vácuo, suspende a terra acima do nada.
8. Prende as águas em suas nuvens, e as nuvens não se rasgam sob seu peso.
9. Vela a face da lua, estendendo sobre ela uma nuvem.
10. Traçou um círculo à superfície das águas, onde a luz confina com as trevas.
11. As colunas do céu estremecem e assustam-se com a sua ameaça.
12. Com seu poder levanta o mar, com sua sabedoria destruiu Raab.
13. Seu sopro varreu os céus, e sua mão feriu a serpente fugitiva.
14. Eis que tudo isso não é mais que o contorno de suas obras, e se apenas percebemos um fraco eco dessas obras, quem compreenderá o trovão de seu poder?

 
Capítulo 27

1. Jó continuou seu discurso nestes termos:
2. Pela vida de Deus que me recusa justiça, pela vida do Todo-poderoso que enche minha alma de amargura,
3. enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus passar por minhas narinas,
4. meus lábios nada pronunciarão de perverso e minha língua não proferirá mentira.
5. Longe de mim vos dar razão! Até o último suspiro defenderei minha inocência,
6. mantenho minha justiça, não a abandonarei; minha consciência não acusa nenhum de meus dias.
7. Que meu inimigo seja tratado como culpado, e meu adversário como um mentiroso!
8. Que pode esperar o ímpio de sua oração, quando eleva para Deus a sua alma?
9. Deus escutará seu clamor quando a angústia cair sobre ele?
10. Encontra ele suas delícias no Todo-poderoso, invoca ele Deus em todo o tempo?
11. Eu vos ensinarei o proceder de Deus, não vos ocultarei os desígnios do Todo-poderoso.
12. Mas todos vós já o sabeis; e por que proferis palavras vãs?
13. Eis a sorte que Deus reserva aos maus, e a parte reservada ao violento pelo Todo-poderoso.
14. Se seus filhos se multiplicam, é para a espada, e seus descendentes não terão o que comer.
15. Seus sobreviventes serão sepultados na morte, e suas viúvas não os chorarão.
16. Se amontoa prata como poeira, se ajunta vestimentas como argila,
17. ele amontoa, mas é o justo quem os veste, é um homem honesto quem herda a prata.
18. Constrói sua casa como a casa da aranha, como a choupana que o vigia constrói.
19. Deita-se rico: é pela última vez. Quando abre os olhos, já deixou de sê-lo.
20. O terror o invade como um dilúvio, um redemoinho o arrebata durante a noite.
21. O vento de leste o levanta e o faz desaparecer: varre-o violentamente de seu lugar.
22. Precipitam-se sobre ele sem poupá-lo, é arrastado numa fuga desvairada.
23. Sua ruína é aplaudida; de sua própria casa assobiarão sobre ele.

 
Capítulo 28

1. Há lugares de onde se tira a prata, lugares onde o ouro é apurado;
2. o ferro é extraído do solo, o cobre é extraído de uma pedra fundida.
3. Foi posto um fim às trevas, escavaram-se as últimas profundidades da rocha obscura e sombria.
4. Longe dos lugares habitados (o mineiro) abre galerias que são ignoradas pelos pés dos transeuntes; suspenso, vacila longe dos humanos.
5. A terra, que produz o pão, é sacudida em suas entranhas como se fosse pelo fogo.
6. As rochas encerram a safira, assim como o pó do ouro.
7. A águia não conhece a vereda, o olho do abutre não a viu;
8. os altivos animais não a pisaram, o leão não passou por ela.
9. O homem põe a mão no sílex, derruba as montanhas pela base;
10. fura galerias nos rochedos, o olho pode ver nelas todos os tesouros.
11. Explora as nascentes dos rios, e põe a descoberto o que estava escondido.
12. Mas a sabedoria, de onde sai ela? Onde está o jazigo da inteligência?
13. O homem ignora o caminho dela, ninguém a encontra na terra dos vivos.
14. O abismo diz: Ela não está em mim. Não está comigo, diz o mar.
15. Não pode ser adquirida com ouro maciço, não pode ser comprada a peso de prata.
16. Não pode ser posta em balança com o ouro de Ofir, com o ônix precioso ou a safira.
17. Não pode ser comparada nem ao ouro nem ao vidro, ninguém a troca por vaso de ouro fino.
18. Quanto ao coral e ao cristal, nem se fala, a sabedoria vale mais do que as pérolas.
19. Não pode ser igualada ao topázio da Etiópia, não pode ser equiparada ao mais puro ouro.
20. De onde vem, pois, a sabedoria? Onde está o jazigo da inteligência?
21. Um véu a oculta de todos os viventes, até das aves do céu ela se esconde.
22. Dizem o inferno e a morte: Apenas ouvimos falar dela.
23. Deus conhece o caminho para encontrá-la, é ele quem sabe o seu lugar,
24. porque ele vê até os confins da terra, e enxerga tudo o que há debaixo do céu.
25. Quando ele se ocupava em pesar os ventos, e em regular a medida das águas,
26. quando fixava as leis da chuva, e traçava uma rota aos relâmpagos,
27. então a viu e a descreveu, penetrou-a e escrutou-a.
28. Depois disse ao homem: O temor do Senhor, eis a sabedoria; fugir do mal, eis a inteligência.

 
Capítulo 29

1. Jó continuou seu discurso nestes termos:
2. Quem me tornará tal como antes, nos dias em que Deus me protegia,
3. quando a sua lâmpada luzia sobre a minha cabeça, e a sua luz me guiava nas trevas?
4. Tal como eu era nos dias de meu outono, quando Deus velava como um amigo sobre minha tenda,
5. quando o Todo-poderoso estava ainda comigo, e meus filhos em volta de mim;
6. quando os meus pés se banhavam no creme, e o rochedo em mim derramava ondas de óleo;
7. quando eu saía para ir à porta da cidade, e me assentava na praça pública?
8. Viam-me os jovens e se escondiam, os velhos levantavam-se e ficavam de pé;
9. os chefes interrompiam suas conversas, e punham a mão sobre a boca;
10. calava-se a voz dos príncipes, a língua colava-se-lhes no céu da boca.
11. Quem me ouvia felicitava-me, quem me via dava testemunho de mim.
12. Livrava o pobre que pedia socorro, e o órfão que não tinha apoio.
13. A bênção do que estava a perecer vinha sobre mim, e eu dava alegria ao coração da viúva.
14. Revestia-me de justiça, e a eqüidade era para mim como uma roupa e um turbante.
15. Era os olhos do cego e os pés daquele que manca;
16. era um pai para os pobres, examinava a fundo a causa dos desconhecidos.
17. Quebrava o queixo do perverso, e arrancava-lhe a presa de entre os dentes.
18. Eu dizia: Morrerei em meu ninho, meus dias serão tão numerosos quanto os da fênix.
19. Minha raiz atinge as águas, o orvalho ficará durante a noite sobre meus ramos.
20. Minha glória será sempre jovem, e meu arco sempre forte em minha mão.
21. Escutavam-me, esperavam, recolhiam em silêncio meu conselho;
22. quando acabava de falar, não acrescentavam nada, minhas palavras eram recebidas como orvalho.
23. Esperavam-me como a chuva e abriam a boca como se fosse para as águas da primavera.
24. Sorria para aqueles que perdiam coragem; ante o meu ar benevolente, deixavam de estar abatidos.
25. Quando eu ia ter com eles, tinha o primeiro lugar, era importante como um rei no meio de suas tropas, como o consolador dos aflitos.

 
Capítulo 30

1. Agora zombam de mim os mais jovens do que eu, aqueles cujos pais eu desdenharia de colocar com os cães de meu rebanho.
2. Que faria eu com o vigor de seus braços? Não atingirão a idade madura.
3. Reduzidos a nada pela miséria e a fome, roem um solo árido e desolado.
4. Colhem ervas e cascas dos arbustos, por pão têm somente a raiz das giestas.
5. São postos para fora do povo, gritam com eles como se fossem ladrões,
6. moram em barrancos medonhos, em buracos de terra e de rochedos.
7. Ouvem-se seus gritos entre os arbustos, amontoam-se debaixo das urtigas,
8. filhos de infames e de gente sem nome que são expulsos da terra!
9. Agora sou o assunto de suas canções, o tema de seus escárnios;
10. afastam-se de mim com horror, não receiam cuspir-me no rosto.
11. Desamarraram a corda para humilhar-me, sacudiram de si todo o freio diante de mim.
12. À minha direita levanta-se a raça deles, tentam atrapalhar meus pés, abrem diante de mim o caminho da sua desgraça.
13. Cortam minha vereda para me perder, trabalham para minha ruína.
14. Penetram como por uma grande brecha, irrompem entre escombros.
15. O pavor me invade. Minha esperança é varrida como se fosse pelo vento, minha felicidade passa como uma nuvem.
16. Agora minha alma se dissolve, os dias de aflição me dominaram.
17. A noite traspassa meus ossos, consome-os; os males que me roem não dormem.
18. Com violência segura a minha veste, aperta-me como o colarinho de minha túnica.
19. Deus jogou-me no lodo, tenho o aspecto da poeira e da cinza.
20. Clamo a ti, e não me respondes; ponho-me diante de ti, e não olhas para mim.
21. Tornaste-te cruel para comigo, atacas-me com toda a força de tua mão.
22. Arrebatas-me, fazes-me cavalgar o tufão, aniquilas-me na tempestade.
23. Eu bem sei, levas-me à morte, ao lugar onde se encontram todos os viventes.
24. Mas poderá aquele que cai não estender a mão, poderá não pedir socorro aquele que perece?
25. Não chorei com os oprimidos? Não teve minha alma piedade dos pobres?
26. Esperava a felicidade e veio a desgraça, esperava a luz e vieram as trevas.
27. Minhas entranhas abrasam-se sem nenhum descanso, assaltaram-me os dias de aflição.
28. Caminho no luto, sem sol; levanto-me numa multidão de gritos,
29. tornei-me irmão dos chacais e companheiro dos avestruzes.
30. Minha pele enegrece-se e cai, e meus ossos são consumidos pela febre.
31. Minha cítara só dá acordes lúgubres, e minha flauta sons queixosos.

 
Capítulo 31

1. Eu havia feito um pacto com meus olhos: não desejaria olhar nunca para uma virgem.
2. Que parte me daria Deus lá do alto, que sorte o Todo-poderoso me enviaria dos céus?
3. A infelicidade não está reservada ao injusto, e o infortúnio ao iníquo?
4. Não conhece Deus os meus caminhos, e não conta todos os meus passos?
5. Se caminhei com a mentira, se meu pé correu atrás da fraude,
6. que Deus me pese em justas balanças e reconhecerá minha integridade.
7. Se meus passos se desviaram do caminho, se meu coração seguiu meus olhos, se às minhas mãos se apegou qualquer mácula,
8. semeie eu e outro o coma, e que minhas plantações sejam desenraizadas!
9. Se meu coração foi seduzido por uma mulher, se fiquei à espreita à porta de meu vizinho,
10. que minha mulher gire a mó para outro e que estranhos a possuam!
11. Pois isso teria sido um crime, um delito dependente da justiça,
12. um fogo que devoraria até o abismo, e que teria arruinado todos os meus bens.
13. Nunca violei o direito de meus escravos, ou de minha serva, em suas discussões comigo.
14. Que farei eu quando Deus se levantar? Quando me interrogar, que lhe responderei?
15. Aquele que me criou no ventre, não o criou também a ele? Um mesmo criador não nos formou no seio da nossa mãe?
16. Não recusei aos pobres aquilo que desejavam, não fiz desfalecer os olhos da viúva,
17. não comi sozinho meu pedaço de pão, sem que o órfão tivesse a sua parte;
18. desde minha infância cuidei deste como um pai, desde o ventre de minha mãe fui o guia da viúva.
19. Se vi perecer um homem por falta de roupas, e o pobre que não tinha com que cobrir-se,
20. sem que seus rins me tenham abençoado, aquecido como estava com a lã de minhas ovelhas;
21. se levantei a mão contra o órfão, quando me via apoiado pelos juízes,
22. que meu ombro caia de minhas costas, que meu braço seja arrancado de seu cotovelo!
23. Pois o temor de Deus me invadiu, e diante de sua majestade não posso subsistir.
24. Nunca pus no ouro minha segurança, nem jamais disse ao ouro puro: És minha esperança.
25. Nunca me rejubilei por ser grande a minha riqueza, nem pelo fato de minha mão ter ajuntado muito.
26. Quando eu via o sol brilhar, e a lua levantar-se em seu esplendor,
27. jamais meu coração deixou-se seduzir em segredo, e minha mão não foi levada à boca para um beijo.
28. Isto seria um crime digno de castigo, pois eu teria renegado o Deus do alto.
29. Nunca me alegrei com a ruína de meu inimigo, e nem exultei quando a infelicidade o feriu.
30. Não permiti que minha língua pecasse, reclamando sua morte por uma imprecação.
31. Jamais as pessoas de minha tenda me disseram: Há alguém que não saiu satisfeito.
32. O estrangeiro não passava a noite fora, eu abria a minha porta ao viajante.
33. Nunca dissimulei minha culpa aos homens, escondendo em meu peito minha iniqüidade,
34. como se temesse a multidão e receasse o desprezo das famílias, a ponto de me manter quieto sem pôr o pé fora da porta.
35. Oh, se eu tivesse alguém para me ouvir! Eis a minha assinatura: que o Todo-poderoso me responda! Que o meu adversário escreva também um memorial.
36. Será que eu não o poria sobre meus ombros, e não cingiria minha fronte com ele como de uma coroa?
37. Dar-lhe-ia conta de todos os meus passos, e me apresentaria diante dele altivo como um príncipe.
38. Se minha terra clamou contra mim, e seus sulcos derramaram lágrimas,
39. se comi seus frutos sem pagar, se afligi a alma de seu possuidor,
40. que em vez de trigo produza espinhos, e joio em vez de cevada! Aqui terminam os discursos de Jó.

 
Capítulo 32

1. Como Jó persistisse em considerar-se como um justo, estes três homens cessaram de lhe responder.
2. Então se inflamou a cólera de Eliú, filho de Baraquel, de Buz, da família de Rão; sua cólera inflamou-se contra Jó, por este pretender justificar-se perante Deus.
3. Inflamou-se também contra seus três amigos, por não terem achado resposta conveniente, dando assim culpa a Deus.
4. Como fossem mais velhos do que ele, Eliú tinha se abstido de responder a Jó.
5. Mas, quando viu que não tinham mais nada para responder, encolerizou-se.
6. Então Eliú, filho de Baraquel, de Buz, tomou a palavra nestes termos: Sou jovem em anos, e vós sois velhos; é por isso que minha timidez me impediu de manifestar-vos o meu saber.
7. Dizia comigo: A idade vai falar; os muitos anos farão conhecer a sabedoria,
8. mas é o Espírito de Deus no homem, e um sopro do Todo-poderoso que torna inteligente.
9. Não são os mais velhos que são sábios, nem os anciãos que discernem o que é justo;
10. é por isso que digo: Escutai-me, vou mostrar-vos o que sei.
11. Esperei enquanto faláveis, prestei atenção em vossos raciocínios. Enquanto discutíeis,
12. segui-vos atentamente. Mas ninguém refutou Jó, ninguém respondeu aos seus argumentos.
13. Não digais: Encontramos a sabedoria; é Deus e não um homem quem nos instrui.
14. Não foi a mim que dirigiu seus discursos, mas encontrarei outras respostas diferentes das vossas.
15. Ei-los calados, já não dizem mais nada; faltam-lhes as palavras.
16. Esperei que se calassem, que parassem e cessassem de responder.
17. É a minha vez de responder: vou também mostrar o que sei.
18. Pois estou cheio de palavras, o espírito que está em meu peito me oprime.
19. Meu peito é como o vinho arrolhado, como um barril pronto para estourar.
20. Vou falar, isto me aliviará, abrirei meus lábios para responder.
21. Não farei acepção de ninguém, não adularei este ou aquele.
22. Pois não sei bajular; do contrário, meu Criador logo me levaria.

 
Capítulo 33

1. E agora, Jó, escuta minhas palavras, dá ouvidos a todos os meus discursos.
2. Eis que abro a boca, minha língua, sob o céu da boca, vai falar.
3. Minhas palavras brotam de um coração reto, meus lábios falarão francamente.
4. O Espírito de Deus me criou, e o sopro do Todo-poderoso me deu a vida.
5. Se puderes, responde-me; toma posição, fica firme diante de mim.
6. Em face de Deus sou teu igual: como tu mesmo, fui formado de barro.
7. Assim meu temor não te assustará e o peso de minhas palavras não te acabrunhará.
8. Ora, disseste aos meus ouvidos, e ouvi estas palavras:
9. Sou puro, sem pecado; sou limpo, não há culpa em mim.
10. É ele que inventa pretextos contra mim, considera-me seu inimigo.
11. Pôs meus pés no cepo, espiou todos os meus passos.
12. Responderei que nisto foste injusto, pois Deus é maior do que o homem.
13. Por que o acusas de não dar nenhuma resposta a teus discursos?
14. Pois Deus fala de uma maneira e de outra e não prestas atenção.
15. Por meio dos sonhos, das visões noturnas, quando um sono profundo pesa sobre os humanos, enquanto o homem está adormecido em seu leito,
16. então abre o ouvido do homem e o assusta com suas aparições,
17. a fim de desviá-lo do pecado e de preservá-lo do orgulho,
18. para salvar-lhe a alma do fosso, e sua vida, da seta mortífera.
19. Pela dor também é instruído o homem em seu leito, quando todos os seus membros são agitados,
20. quando recebe o alimento com desgosto, e já não pode suportar as iguarias mais deliciosas;
21. sua carne some aos olhares, seus membros emagrecidos se desvanecem;
22. sua alma aproxima-se da sepultura, e sua vida, daqueles que estão mortos.
23. Se perto dele se encontrar um anjo, um intercessor entre mil, para ensinar-lhe o que deve fazer,
24. ter piedade dele e dizer: Poupai-o de descer à sepultura, recebi o resgate de sua vida;
25. sua carne retomará o vigor da mocidade, retornará aos dias de sua adolescência.
26. Ele reza, e Deus lhe é propício, contempla-lhe a face com alegria. Anuncia (Deus) ao homem sua justiça;
27. canta diante dos homens, dizendo: Pequei, violei o direito, e Deus não me tratou conforme meus erros;
28. poupou minha alma de descer à sepultura, e minha alma bem viva goza a luz.
29. Eis o que Deus faz duas, três vezes para o homem,
30. a fim de tirar-lhe a alma da sepultura, para iluminá-la com a luz dos vivos.
31. Presta atenção, Jó, escuta-me; cala a boca para que eu fale.
32. Se tens alguma coisa para dizer, responde-me; fala, eu gostaria de te dar razão.
33. Se não, escuta-me, cala-te, e eu te ensinarei a sabedoria.

 
Capítulo 34

1. Eliú retomou a palavra nestes termos:
2. Sábios, ouvi meu discurso; eruditos, prestai atenção,
3. pois o ouvido discerne o valor das palavras, como o paladar aprecia as iguarias.
4. Procuremos discernir o que é justo, e conhecer entre nós o que é bom.
5. Jó disse: Eu sou inocente; é Deus que recusa fazer-me justiça.
6. A despeito de meu direito, passo por mentiroso, minha ferida é incurável, sem que eu tenha pecado.
7. Onde existe um homem como Jó, para beber a blasfêmia como quem bebe água,
8. para andar de par com os ímpios e caminhar com os perversos?
9. Pois ele disse: O homem não ganha nada em ser agradável a Deus.
10. Ouvi-me, pois, homens sensatos: longe de Deus a injustiça! Longe do Todo-poderoso a iniqüidade!
11. Ele trata o homem conforme seus atos, dá a cada um o que merece.
12. É claro! Deus não é injusto, e o Todo-poderoso não falseia o direito.
13. Quem lhe confiou a administração da terra? Quem lhe entregou o universo?
14. Se lhe retomasse o sopro, se lhe retirasse o alento,
15. toda carne expiraria no mesmo instante, o homem voltaria ao pó.
16. Se tens inteligência, escuta isto, dá ouvidos ao som de minhas palavras:
17. um inimigo do direito poderia governar? Pode o Justo, o Poderoso cometer a iniqüidade?
18. Ele que disse a um rei: Malvado! A príncipes: Celerados!
19. Ele não tem preferência pelos grandes, e não tem mais consideração pelos ricos do que pelos pobres, porque são todos obras de suas mãos.
20. Subitamente, perecem no meio da noite; os povos vacilam e passam, o poderoso desaparece, sem o socorro de mão alguma.
21. Pois Deus olha para o proceder do homem, vê todos os seus passos.
22. Não há obscuridade, nem trevas onde o iníquo possa esconder-se.
23. Não precisa olhar duas vezes para um homem para citá-lo em justiça consigo.
24. Abate os poderosos sem inquérito, e põe outros em lugar deles,
25. pois conhece suas ações; derruba-os à noite, são esmagados.
26. Fere-os como ímpios, num lugar onde são vistos,
27. porque se afastaram dele e não quiseram conhecer os seus caminhos,
28. fazendo chegar até ele o clamor do pobre e tornando-o atento ao grito do infeliz.
29. Se ele dá a paz, quem o censurará? Se oculta sua face, quem poderá contemplá-lo?
30. Assim trata ele o povo e o indivíduo de maneira que o ímpio não venha a reinar, e já não seja uma armadilha para o povo.
31. Tinha dito a Deus: Fui seduzido, não mais pecarei,
32. ensina-me o que ignoro; se fiz o mal, não recomeçarei mais.
33. Julgas, então, que ele deve punir, já que rejeitaste suas ordens? És tu quem deves escolher, não eu; dize, pois, o que sabes.
34. As pessoas sensatas me responderão, como qualquer homem sábio que me tiver ouvido:
35. Jó não falou conforme a razão, falta-lhe bom senso às palavras.
36. Pois bem! Que Jó seja provado até o fim, já que suas respostas são as de um ímpio.
37. Leva ao máximo o seu pecado (bate as mãos no meio de nós), multiplicando seus discursos contra Deus.

 
Capítulo 35

1. Eliú retomou ainda a palavra nestes termos:
2. Imaginas ter razão em pretender justificar-te contra Deus?
3. Quando dizes: Para que me serve isto, qual é minha vantagem em não pecar?
4. Pois vou responder-te, a ti e a teus amigos.
5. Considera os céus e olha: vê como são mais altas do que tu as nuvens!
6. Se pecas, que danos lhe causas? Se multiplicas tuas faltas, que mal lhe fazes?
7. Se és justo, que vantagem lhe dás, ou que recebe ele de tua mão?
8. Tua maldade só prejudica o homem, teu semelhante; tua justiça só diz respeito a um humano.
9. Sob o peso da opressão, geme-se, clama-se sob a mão dos poderosos.
10. Mas ninguém diz: Onde está Deus, meu criador, que inspira cantos de louvor em plena noite,
11. que nos instrui mais do que os animais selvagens e nos torna mais sábios do que as aves do céu?
12. Clamam, mas não são ouvidos, por causa do orgulho dos maus.
13. Deus não ouve as palavras frívolas, o Todo-poderoso não lhes presta atenção.
14. Quando dizes que ele não se ocupa de ti, que tua causa está diante dele, que esperas sua decisão,
15. que sua cólera não castiga e que ele ignora o pecado,
16. Jó abre a boca para palavras ociosas e derrama-se em discursos impertinentes.

 
Capítulo 36

1. Depois Eliú prosseguiu nestes termos:
2. Espera um pouco e te instruirei, tenho ainda palavras em defesa de Deus;
3. irei buscar longe a minha ciência, e justificarei meu Criador.
4. Minhas palavras não são certamente mentirosas, estás tratando com um homem de ciência sólida.
5. Deus é poderoso, mas não é arrogante, é poderoso por sua ciência:
6. não deixa viver o mau, faz justiça aos aflitos,
7. não afasta os olhos dos justos; e os faz assentar com os reis no trono, numa glória eterna.
8. Se vierem a cair presos, ou se forem atados com os laços da infelicidade,
9. ele lhes faz reconhecer as suas obras, e as faltas que cometeram por orgulho;
10. e abre-lhes os ouvidos para corrigi-los, e diz-lhes que renunciem à iniqüidade.
11. Se escutam e obedecem, terminam seus dias na felicidade, e seus anos na delícia;
12. se não, morrem de um golpe, expiram por falta de sabedoria.
13. Os corações ímpios são entregues à cólera; não clamam a Deus quando ele os aprisiona,
14. morrem em plena mocidade, a vida deles passa como a dos efeminados.
15. Mas Deus salvará o pobre pela sua miséria, e o instrui pelo sofrimento.
16. A ti também retirará das fauces da angústia, numa larga liberdade, e no repouso de uma mesa bem guarnecida.
17. E tu te comportas como um malvado, com o risco de incorrer em sentença e penalidade.
18. Toma cuidado para que a cólera não te inflija um castigo, e que o tamanho do resgate não te perca.
19. Levará ele em conta teu grito na aflição, e todos os esforços do vigor?
20. Não suspires pela noite, para que os povos voltem para seus lugares.
21. Guarda-te de declinar para a iniqüidade, e de preferir a injustiça ao sofrimento.
22. Vê, Deus é sublime em seu poder. Que senhor lhe é comparável?
23. Quem lhe fixou seu caminho? Quem pode dizer-lhe: Fizeste mal?
24. Antes pensa em glorificar sua obra, que os humanos celebram em seus cantos.
25. Todos os homens a contemplam; o mortal a considera de longe.
26. Deus é grande demais para que o possamos conhecer; o número de seus anos é incalculável.
27. Atrai as gotinhas de água para transformá-las em chuva no nevoeiro,
28. as nuvens as espalham, e as destilam sobre a multidão dos homens.
29. Quem pode compreender como se estendem as nuvens, e o estrépito de sua tenda?
30. Espalha em volta dele a sua luz, e cobre os cimos das montanhas.
31. É por esse meio que nutre os povos, e fornece-lhes abundância de alimentos.
32. Nas suas mãos estende o raio, fixa-lhe o alvo a atingir;
33. seu estrondo o anuncia, o rebanho também anuncia aquele que se aproxima.

 
Capítulo 37

1. Por isto se espantou o meu coração, e pulou fora de seu lugar.
2. Escutai, escutai o brado de sua voz, o estrondo que lhe sai da boca!
3. Enche dele toda a extensão dos céus, e seus relâmpagos vão atingir os confins da terra.
4. Logo depois ruge uma voz, troveja com sua voz majestosa. Não retém mais seus raios quando se faz ouvir.
5. Deus troveja com uma voz maravilhosa, faz prodígios que nos são incompreensíveis.
6. Diz à neve: Cai sobre a terra, às pancadas de chuva: Sede fortes.
7. Ele põe selos sobre as mãos dos homens, a fim de que todos os mortais reconheçam seu criador.
8. A fera também entra em seu covil, e encolhe-se em sua toca.
9. O furacão sai da câmara do sul, e do norte chega o frio.
10. Ao sopro de Deus forma-se a neve, e a superfície das águas se endurece.
11. Carrega as nuvens de vapor, as nuvens lançam por toda parte seus relâmpagos
12. que vão em todos os sentidos sob sua direção, para realizar tudo quanto ele ordena na face da terra.
13. Ora é o castigo que eles trazem, ora seus benefícios.
14. Escuta isto, Jó, pára e considera as maravilhas de Deus.
15. Sabes como ele as opera, e faz brilhar o relâmpago de sua nuvem?
16. Sabes a lei do equilíbrio das nuvens, e o milagre daquele cuja ciência é infinita?
17. Por que são quentes as tuas vestes, quando repousa a terra ao sopro do meio-dia?
18. Saberás, como ele, estender as nuvens, e torná-las sólidas como um espelho de metal fundido?
19. Dá-me a conhecer o que lhe diremos. Mergulhados em nossas trevas, só sabemos objetar.
20. Quem lhe repetirá o que digo? Acaso pedirá um homem a sua própria perdição?
21. Agora já não se vê a luz, o sol brilha através das nuvens; passe um golpe de vento, e ele as varrerá;
22. a luz vem do norte. Deus está envolto numa majestade temível;
23. não podemos atingir o Todo-poderoso: eminente em força, em eqüidade, em justiça, não tem a dar contas a ninguém.
24. Que os homens, pois, o reverenciem! Ele não olha aqueles que se julgam sábios.

 
Capítulo 38

1. Então, do seio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta:
2. Quem é aquele que obscurece assim a Providência com discursos sem inteligência?
3. Cinge os teus rins como um homem; vou interrogar-te e tu me responderás.
4. Onde estavas quando lancei os fundamentos da terra? Fala, se estiveres informado disso.
5. Quem lhe tomou as medidas, já que o sabes? Quem sobre ela estendeu o cordel?
6. Sobre que repousam suas bases? Quem colocou nela a pedra de ângulo,
7. sob os alegres concertos dos astros da manhã, sob as aclamações de todos os filhos de Deus?
8. Quem fechou com portas o mar, quando brotou do seio maternal,
9. quando lhe dei as nuvens por vestimenta, e o enfaixava com névoas tenebrosas;
10. quando lhe tracei limites, e lhe pus portas e ferrolhos,
11. dizendo: Chegarás até aqui, não irás mais longe; aqui se deterá o orgulho de tuas ondas?
12. Algum dia na vida deste ordens à manhã? Indicaste à aurora o seu lugar,
13. para que ela alcançasse as extremidades da terra, e dela sacudisse os maus,
14. para que ela tome forma como a argila de sinete e tome cor como um vestido,
15. para que seja recusada aos maus a sua luz, e sejam quebrados seus braços já erguidos?
16. Foste até as fontes do mar? Passaste até o fundo do abismo?
17. Apareceram-te, porventura, as portas da morte? Viste, por acaso, as portas da tenebrosa morada?
18. Abraçaste com o olhar a extensão da terra? Fala, se sabes tudo isso!
19. Qual é o caminho da morada luminosa? Onde é a residência das trevas?
20. Poderias alcançá-la em seu domínio, e reconhecer as veredas de sua morada?
21. Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido: são tão numerosos os teus dias!
22. Penetraste nos depósitos da neve? Visitaste os armazéns dos granizos,
23. que reservo para os tempos de tormento, para os dias de luta e de batalha?
24. Por que caminho se espalha o nevoeiro, e o vento do oriente se expande pela terra?
25. Quem abre um canal para os aguaceiros, e uma rota para o relâmpago,
26. para fazer chover sobre uma terra desabitada, sobre um deserto sem seres humanos,
27. para regar regiões vastas e desoladas, para nelas fazer germinar a erva verdejante?
28. Terá a chuva um pai? Quem gera as gotas do orvalho?
29. De que seio sai o gelo, quem engendra a geada do céu,
30. quando endurecem as águas como a pedra, e se torna sólida a superfície do abismo?
31. És tu que atas os laços das Plêiades, ou que desatas as correntes do Órion?
32. És tu que fazes sair a seu tempo as constelações, e conduzes a grande Ursa com seus filhinhos?
33. Conheces as leis do céu, regulas sua influência sobre a terra?
34. Levantarás a tua voz até as nuvens, e o dilúvio te obedecerá?
35. Tua ordem fará os relâmpagos surgirem, e dir-te-ão eles: Eis-nos aqui?
36. Quem pôs a sabedoria nas nuvens, e a inteligência no meteoro?
37. Quem pode enumerar as nuvens, e inclinar as urnas do céu,
38. para que a poeira se mova em massa compacta, e os seus torrões se aglomerem?
39. És tu que caças a presa para a leoa, e que satisfazes a fome dos leõezinhos
40. quando estão deitados em seus covis, ou quando se emboscam nas covas?
41. Quem prepara ao corvo o seu sustento, quando seus filhinhos gritam para Deus, quando andam de um lado para outro sem comida?

 
Capítulo 39

1. Conheces o tempo em que as cabras monteses dão à luz nos rochedos? Observaste o parto das corças?
2. Contaste os meses de sua gravidez, e sabes o tempo de seu parto?
3. Elas se abaixam e dão cria, e se livram de suas dores.
4. Seus filhos tornam-se fortes e crescem nos campos, apartam-se delas e não voltam mais.
5. Quem pôs o asno em liberdade, quem rompeu os laços do burro selvagem?
6. Dei-lhe o deserto por morada, a planície salgada como lugar de habitação;
7. ele ri-se do tumulto da cidade, não escuta os gritos do cocheiro,
8. explora as montanhas, sua pastagem, e nela anda buscando tudo o que está verde.
9. Quererá servir-te o boi selvagem, ou quererá passar a noite em teu estábulo?
10. Porás uma corda em seu pescoço, ou fenderá ele atrás de ti os teus sulcos?
11. Fiarás nele porque sua força é grande, e lhe deixarás o cuidado de teu trabalho?
12. Contarás com ele para que te traga para a casa o que semeaste, e que te encha a tua eira?
13. A asa da avestruz bate alegremente, não tem asas nem penas bondosas…
14. Ela abandona os seus ovos na terra, e os deixa aquecer no solo,
15. não pensando que um pé poderá pisá-los e que animais selvagens poderão quebrá-los.
16. É cruel com seus filhinhos, como se não fossem seus; não se incomoda de ter sofrido em vão,
17. pois Deus lhe negou a sabedoria e não lhe abriu a inteligência.
18. Mas quando alça o vôo, ri-se do cavalo e de seu cavaleiro.
19. És tu que dás o vigor ao cavalo, e foste tu que enfeitaste seu pescoço com uma crina ondulante?
20. Que o fazes saltar como um gafanhoto, relinchando terrivelmente?
21. Orgulhoso de sua força, escava a terra com a pata, atira-se à frente das armas.
22. Ri-se do medo, nada o assusta, não recua diante da espada.
23. Sobre ele ressoa a aljava, o ferro brilhante da lança e o dardo;
24. tremendo de impaciência, devora o espaço, o som da trombeta não o deixa no lugar.
25. Ao sinal do clarim, diz: Vamos! De longe fareja a batalha, a voz troante dos chefes e o alarido dos guerreiros.
26. É graças à tua sabedoria que o falcão alça o vôo, e desdobra as suas asas em direção ao meio-dia?
27. É por tua ordem que a águia levanta o vôo, e faz seu ninho nas alturas?
28. Ela habita o rochedo, e nele passa a noite, sobre a ponta rochosa e o cimo escarpado.
29. De lá espia sua presa, seus olhos penetram as distâncias.
30. Seus filhinhos se alimentam de sangue; onde quer que haja cadáveres, ali está ela.
31. O Senhor, dirigindo-se a Jó, lhe disse:
32. Aquele que disputa com o Todo-poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda!
33. Jó respondeu ao Senhor nestes termos:
34. Leviano como sou, que posso responder-te? Ponho minha mão na boca;
35. falei uma vez, não repetirei, duas vezes… nada acrescentarei.

 
Capítulo 40

1. Então, do seio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta:
2. Cinge os teus rins como um homem; vou interrogar-te, tu me responderás.
3. Queres reduzir a nada a minha justiça, e condenar-me antes de ter razão?
4. Tens um braço semelhante ao de Deus, e uma voz troante como a dele?
5. Orna-te então de grandeza e majestade, reveste-te de esplendor e glória!
6. Espalha as ondas de tua cólera. Com um olhar, abaixa todo o orgulho;
7. com um olhar, humilha o soberbo, esmaga os maus no mesmo lugar em que eles estão.
8. Mete-os todos juntos debaixo da terra, amarra-lhes os rostos num lugar escondido.
9. Então eu também te louvarei por triunfares pela força de tua mão.
10. Vê Beemot, que criei contigo, nutre-se de erva como o boi.
11. Sua força reside nos rins, e seu vigor nos músculos do ventre.
12. Levanta sua cauda como (um ramo) de cedro, os nervos de suas coxas são entrelaçados.
13. Seus ossos são tubos de bronze, sua estrutura é feita de barras de ferro.
14. É obra-prima de Deus, foi criado como o soberano de seus companheiros.
15. As montanhas fornecem-lhe a pastagem, os animais dos campos divertem-se em volta dele.
16. Deita-se sob os lótus, no segredo dos caniços e dos brejos;
17. os lótus cobrem-no com sua sombra, os salgueiros da margem o cercam.
18. Quando o rio transborda, ele não se assusta; mesmo que o Jordão levantasse até a sua boca, ele ficaria tranqüilo.
19. Quem o seguraria pela frente, e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas?
20. Poderás tu fisgar Leviatã com um anzol, e amarrar-lhe a língua com uma corda?
21. Serás capaz de passar um junco em suas ventas, ou de furar-lhe a mandíbula com um gancho?
22. Ele te fará muitos rogos, e te dirigirá palavras ternas?
23. Concluirá ele um pacto contigo, a fim de que faças dele sempre teu escravo?
24. Brincarás com ele como com um pássaro, ou atá-lo-ás para divertir teus filhos?
25. Será ele vendido por uma sociedade de pescadores, e dividido entre os negociantes?
26. Crivar-lhe-ás a pele de dardos, fincar-lhe-ás um arpão na cabeça?
27. Tenta pôr a mão nele, sempre te lembrarás disso, e não recomeçarás.
28. Tua esperança será lograda, bastaria seu aspecto para te arrasar.

 
Capítulo 41

1. Ninguém é bastante ousado para provocá-lo; quem lhe resistiria face a face?
2. Quem pôde afrontá-lo e sair com vida, debaixo de toda a extensão do céu?
3. Não quero calar (a glória) de seus membros, direi seu vigor incomparável.
4. Quem levantou a dianteira de sua couraça? Quem penetrou na dupla linha de sua dentadura?
5. Quem lhe abriu os dois batentes da goela, em que seus dentes fazem reinar o terror?
6. Sua costa é um aglomerado de escudos, cujas juntas são estreitamente ligadas;
7. uma toca a outra, o ar não passa por entre elas;
8. uma adere tão bem à outra, que são encaixadas sem se poderem desunir.
9. Seu espirro faz jorrar a luz, seus olhos são como as pálpebras da aurora.
10. De sua goela saem chamas, escapam centelhas ardentes.
11. De suas ventas sai uma fumaça, como de uma marmita que ferve entre chamas.
12. Seu hálito queima como brasa, a chama jorra de sua goela.
13. Em seu pescoço reside a força, diante dele salta o espanto.
14. As barbelas de sua carne são aderentes, esticadas sobre ele, inabaláveis.
15. Duro como a pedra é seu coração, sólido como a mó fixa de um moinho.
16. Quando se levanta, tremem as ondas, as vagas do mar se afastam.
17. Se uma espada o toca, ela não resiste, nem a lança, nem a azagaia, nem o dardo.
18. O ferro para ele é palha; o bronze, pau podre.
19. A flecha não o faz fugir, as pedras da funda são palhinhas para ele.
20. O martelo lhe parece um fiapo de palha; ri-se do assobio da azagaia.
21. Seu ventre é coberto de cacos de vidro pontudos, é uma grade de ferro que se estende sobre a lama.
22. Faz ferver o abismo como uma panela, faz do mar um queimador de perfumes.
23. Deixa atrás de si um sulco brilhante, como se o abismo tivesse cabelos brancos.
24. Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada;
25. afronta tudo o que é elevado, é o rei dos mais orgulhosos animais.

 
Capítulo 42

1. Jó respondeu ao Senhor nestes termos:
2. Sei que podes tudo, que nada te é muito difícil.
3. Quem é que obscurece assim a Providência com discursos ininteligíveis? É por isso que falei, sem compreendê-las, maravilhas que me superam e que não conheço.
4. Escuta-me, deixa-me falar: vou interrogar-te, tu me responderás.
5. Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram.
6. É por isso que me retrato, e arrependo-me no pó e na cinza.
7. Depois que o Senhor acabou de dirigir essas palavras a Jó, disse a Elifaz de Temã: Estou irritado contra ti e contra teus amigos, porque não falastes corretamente de mim, como Jó, meu servo.
8. Procurai, pois, sete touros e sete carneiros, e vinde ter com meu servo Jó. Oferecei por vós este holocausto, e meu servo Jó intercederá por vós. É em consideração a ele que não vos infligirei ignomínias por não terdes falado bem de mim, como Jó, meu servo.
9. Elifaz de Temã, Baldad de Sué e Sofar de Naamã foram-se então para fazer como o Senhor lhes tinha ordenado, e o Senhor tomou em consideração as orações de Jó.
10. Enquanto Jó rezava por seus amigos, o Senhor o restabeleceu de novo em seu primeiro estado e lhe tornou em dobro tudo quanto tinha possuído.
11. Todos os seus irmãos, todas as suas irmãs, todos os seus amigos de antigamente vieram visitá-lo e sentaram-se com ele à mesa em sua casa. Tiveram muito dó dele e deram-lhe condolências a respeito de todas as infelicidades que o Senhor lhe enviara; e cada um deles ofereceu-lhe uma peça de prata e um anel de ouro.
12. O Senhor abençoou os últimos tempos de Jó mais do que os primeiros, e teve Jó quatorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.
13. Teve também sete filhos e três filhas:
14. chamou a primeira Jêmina, a segunda Quetsia e a terceira Queren-Hapuc.
15. Em toda a terra não poderiam ser encontradas mulheres mais belas do que as filhas de Jó. E seu pai lhes destinou uma parte da herança entre seus irmãos.
16. Depois disso, Jó viveu ainda cento e quarenta anos, e conheceu até a quarta geração dos filhos de seus filhos.
17. Depois, velho e cheio de dias, morreu.

 

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